sábado, 1 de fevereiro de 2014

dois sem-abrigo num semáforo


Quando a luz passa a vermelho, eles lá vão. Dois homens não novos, barba por fazer, um deles coxeia – nem interessa muito, mas duvido se o coxear trará mais benefício por despertar dó ou prejuízo por tornar lentos os movimentos. Vestem um colete vermelho, a legitimar a venda da revista Cais. Até está calor, mas há vidros que se fecham com o seu chegar. 

Os vidros fechados pregam sustos porque os dois homens podem esbracejar, bater com os nós dos dedos nas janelas, falar, tudo é infrutífero. Um dos sem-abrigo chega a julgar que em vez de carros está a abordar caixões onde o condutor é um cadáver, talvez mesmo de cera, com a cara para a frente sem pestanejar. Pode isto nem ser metáfora, provavelmente existe uma parte da pessoa que morre momentaneamente para que nasça essa indolência própria de semáforo vermelho.

Depois, o acordar. A paralisia do condutor dá lugar a uns pequenos movimentos. A mão mexe para corrigir a manete das mudanças. Se está vivo, talvez possa estender a mão com umas moedas. Não. Quando o semáforo fica verde-esperança, a esperança dos dois homens não novos desaparece. Hora de voltar ao passeio.

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