quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Anita e as dúvidas

Despreocupadas e sentadas num banco de jardim, as duas amigas conversavam com tempo. O diálogo perdia-se em profundidade. Era coisa que de alguns meses a esta parte lhes causava desconforto: notar que nas suas vidas os temas verdadeiramente interessantes só lhes ocupam o pensar nas alturas despreocupadas. Às tantas ter os pés bem assentes na terra faz esquecer o lugar da cabeça.

- mas afinal o que é que nos move? - perguntava Anita. Os carros, as pernas, as bicicletas e os aviões, as leis da física, literal e obviamente. Mas o mover que acontece antes do mexer. O que nos move? O que nos move para acordar de manhã e não desejar viver dentro de uma incubadora capaz de somente nos deixar existir? Move-nos o trabalho? E o que nos move para trabalhar? Trabalhamos para nos podermos mover? Movem-nos os sentidos que não mais são do que mecanismos de sobrevivência?

- é a dúvida Anita. A dúvida move-nos a cada dia. Não sabes nada, não te conheces a ti própria. Tens uma consciência sem idade, nem sabes se mais velha ou nova do que tu. Não há certezas escritas sobre o amanhã e sobre o ontem nem podes distinguir o credível do verdadeiro. É a dúvida que te move. Não sabes quem és.

- Talvez. Mas às vezes acho que isso é um incómodo. Tanta dúvida. Queria que existisse uma espécie de bar. Único no país, por isso chamado Singular. A festa de inauguração seria anunciada nas redes sociais, e eu haveria de me aprontar horas antes da hora de abertura divulgada. Ali, à espera, no inicio da fila. Abrem as portas e o interior vazio enche-me de certeza. Penso 'quem sou eu?' e grito 'eu sou a primeira pessoa do Singular.' Sei a resposta mais importante e estou certa, vês? Depois disso vou continuar a mover-me?

- Claro, já que estás num bar ouve música e aproveita para dançar.

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