quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

os filmes e os livros

Anteontem fui ver o Hobbit. Feito pouco extraordinário, sublinhe-se. Gostei do filme. Confesso, não sou muito dado à crítica cinematográfica. Não consigo detalhadamente apontar aquilo de que não gostei. As coisas de que se gostam, gostam-se e o assunto morre. Assumir que não se gostou deixa no ar um dos silêncios constrangedores que aguardam uma justificação, um ou outro detalhe que fundamente a opinião. Gostei do filme, portanto.

À saída pude ouvir uns zunidos 'o livro é melhor'. Também o li nas redes sociais. Sem querer fazer deste espaço um confessionário, confesso algo uma segunda vez, não li o livro. Mas essa batalha entre livro e filme, na qual o primeiro parece sempre sair vitorioso, é um lugar comum. Aconteceu com o Harry Potter. Aconteceu com os anteriores Senhores dos Aneis. Aconteceu até com o Grande Gatsby. Aconteceu com uma infinidade de adaptações. O livro é quase sempre melhor.

Muitas vezes, também dou por mim a achar os livros melhores. E pergunto-me acerca das razões disso acontecer. Talvez se deva a uma ponta de soberba. Se o filme não for um clássico, geralmente de língua francesa, com um fim em aberto e de difícil interpretação, ler o livro é tido como intelectualmente superior. Dizer que o livro é melhor passa então por simplesmente assumir 'eu li o livro'.

Haverá outras razões bem mais interessantes. O livro é subjectivo. Há na neurociência quem assuma que o nosso pensamento se estrutura em termos de imagens. Já o Aristóteles afirmava, 'é impossível pensar sem um phantasma', sendo phantasma a representação que formamos acerca de um objecto. Repito, a imagem que formamos. A imagem que cada um de nós forma. O problema dos livros é terem palavras, e o problema das palavras é não serem imagens. Duas pessoas face ao mesmo excerto irão certamente conceber imagens mentais diferentes. A desilusão acontece quando o cinema rouba a subjectividade às palavras. Quando nos informa que, afinal, o Frodo tem as feições do Elijah Wood. Essas informações são um conflito para todas as imagens em que, cada um de nós, tinha traduzido as palavras que leu. Talvez por isso nos sintamos desiludidos, talvez por isso o livro seja sempre melhor. Afinal, fizemos das palavras aquilo que nos apeteceu e isso foi-nos roubado.

(pior, o cinema suga a criatividade. Por muito Senhor dos Anéis que futuramente venha a ler, o Frodo irá sempre ter a fronha do Elijah Wood.)

Por outro lado, as imagens têm a sua riqueza no detalhe. A sabedoria popular diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. Abusando deste significado, façamos as contas. Um filme terá vinte e quatro frames (ou imagens) por segundo (o Hobbit tem quarenta e oito, não é? ainda assim...). Se esse filme durar cento e sessenta minutos, isso dá duzentas e trinta mil e quatrocentas imagens. Claro que não são precisas duas mil palavras para diferenciar duas imagens seguidas, mas como disse, abusemos de significados: um filme iria necessitar mais de duzentas e trinta milhões de palavras para ser completamente traduzido. Juntos, o Antigo e o Novo Testamento possuem perto de oitocentas mil palavras. Apenas um filme seria capaz de ocupar o espaço de quase trezentas Bíblias.

Nestas contas haverá a sua ponta de verdade: aposto que o Tolkien não conhece todos os termos necessários para descrever uma paisagem da Nova Zelândia. Muitas dessas palavras ainda nem foram inventadas.

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