sábado, 7 de abril de 2012

complexidade, agentes, economia

As relações sociais são tudo menos lineares. Mais do que complicadas, são complexas. A economia clássica e neo-clássica teima em fechar os olhos a toda essa complexidade: relações de poder e tantas outras que se criam entre os agentes são assuntos marginalizados e que não têm espaço na ilusão de que oferta e procura criam os preços que irão garantir equilíbrios mágicos e felicidade eterna. Os mercados são eficientes e irão atingir um equilíbrio que deixará satisfeitas todas as partes... basta modelar as curvas certas e deixar o tempo passar. A evolução dos preços determinará os comportamentos dos agentes, que passo a passo se encaminharão para um comportamento que coincidirá com o previsto ponto de equilíbrio.


Uma outra perspectiva, centrada no agente, preocupa-se com o oposto. Preocupa-se em modelar as assumpções básicas que determinam o comportamento dos agentes para daí avaliar a evolução das estratégias e a emergência de padrões. Afasta, por exemplo, a ideia de que a evolução dos mercados se pode conhecer à priori. Tenta, em vez disso, prever a estrutura desses mesmos mercados dadas as interacções (não lineares) entre as partes. Essas estruturas resultantes são determinísticas, mas não previsíveis, como nos faria crer a teoria do equilíbrio geral.


Depois da teoria, venha a prática. Comecei à pouco tempo a brincar com esta novidade dos modelos baseados em agentes. Aliás, sintam-se afortunados por estar aqui a partilhar o primeiro modelo que criei, tão simples, tão básico e tão ingénuo. Vou tentar explicá-lo:

Aqui em cima, sobre o fundo preto, estão os agentes, as pessoas. Essas pessoas poderiam fazer muitas coisas. Aqui, apenas se movem no espaço e mudam de cor. As disposições e cores iniciais são aleatórias. Do lado esquerdo estão algumas variáveis que se podem ajustar: o número de pessoas, a personalidade de cada pessoa e a probabilidade de uma pessoa nascer ou morrer.

O modelo é tão simples que quase me envergonha. O resultado é complexo. Apenas existem duas assumpções básicas:

- As pessoas vão ajustar a direcção do seu percurso olhando para a direcção dos seus vizinhos directos

- As pessoas vão mudar de cor consoante a cor dos seus vizinhos directos

Claro que as pessoas são mais ou menos influenciáveis consoante a sua personalidade... uma personalidade muito forte obriga a não tirar os olhos do umbigo e neste caso, a não mudar facilmente a direcção ou a cor. Uma personalidade fraca obriga a que a pessoa seja completamente influenciável por quem a rodeia.

E depois disto, vamos brincar.

Podemos ver o que acontece quando não existe natalidade nem mortalidade, existem 50 pessoas e todas elas têm personalidade fraca, tal como na imagem em cima. Após 50 turnos, este é o resultado:

Reparem que logo após 50 turnos emerge uma estrutura. É visível o conjunto dos verdes e o conjunto, bem mais discreto, dos azuis. As pessoas formam grupos. Os traços que ligam pessoas representam as relações de influência. Quem está próximo está a influenciar-se mutuamente. Como no quotidiano, note-se, não se assume que os agentes possuem informação completa e que conhecem todo o estado de todos os outros agentes. Apenas olham para os vizinhos mais próximos. Mais alguns turnos e:


Toda a gente é verde. A falta de personalidade deu nisto, na homogeneidade. Note-se, não há nenum líder, não há seguidos nem seguidores. Há apenas pessoas iguais a influenciarem-se mutuamente, seguindo exactamente as mesmas regras. Ficaram todos verdes (podiam ter ficado laranja). Ninguém o poderia prever.

Avancemos.


Agora vamos ter natalidade e mortalidade. A personalidade continua fraca. Continuam as primeiras 50 pessoas iniciais:

Passados 200 e tal turnos...



notam-se várias estruturas, de várias cores. Nota-se o grupo dos azuis, o grupo dos bracos e azulados, o grupo dos violeta. Em baixo e à direita, uns avermelhados. Ninguém o poderia prever. Há mais diversidade, por haver morte e nascimento, por haver renovação. E à medida que o tempo passa...


parece que nos encaminhamos para uma maior homegeneidade. A evolução tem destas coisas: os verdes, brancos e violetas desapareceram, mas... o grupo emergente é o dos castanhos. Parece coeso, parece indestrutível, mas...



bastantes turnos depois as estruturas mudam, a ordem establecida altera-se... novos padrões emergem. Voltou a era dos brancos, nasceu a era dos verdes. Ninguém o poderia prever.

Podiamos brincar o dia inteiro, a noite inteira. Podemos arranjar inúmeras traduções para a realidade: os agentes podem ser pessoas, podem ser animais, bactérias. A cor pode ser uma opinião, pode ser uma ideologia, pode ser uma doença infectocontagiosa, pode ser a propensão para consumir, pode ser a confiança económica. A direcção tomada pelos agentes pode ser vista como uma relação afectiva, uma relação de interesse, pode significar a influência exercida. Os turnos podem ser anos, dias, meses.

Se não for o único a chegar acordado a esta parte, fica aqui o desafio de lançarem novas assumpções, de procurar paralelos com a realidade. De tentar interpertar os resultados.

Com regras tamanhamente simples, surgem padrões imprevisíveis e (mais ou menos) estáveis. Emergem comportamentos colectivos. Comportamentos que não cabem na economia neo-clássica, estruturas que não se conhecem à partida, padões que ninguém poderia prever. Sendo uma estrutura complexa, não é no mínimo arrogante afirmar que o produto de um mercado é sempre, previsivelmente, indiscutivelmente, invariavelmente, o melhor para todas as partes? Não é arrogante afirmar que as "imperfeições" são excepção e não são regra?

2 comentários:

  1. Com padrões tão imprevisíveis, como dizes, é arrogante fazer qualquer afirmação categórica. Ou não?

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  2. sim, acho que tens razão. quer dizer, repetindo a experiência um número suficiente de vezes, talvez se possa deduzir uma tendência e fazer algum tipo de previsão

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