sábado, 17 de março de 2012

Quando eu for grande quero ser uma PPP

Quando eu for grande, o Governo não me vai poder tocar. Os meus direitos estarão garantidos, os meus deveres serão os que eu quiser. Vou ser uma PPP, com lucro garantido e risco alheio

Quando eu for grande, o Estado vai ter medo de mim. Vou ter sempre à mão os contratos que assinei em tempos de vacas gordas com políticos que entretanto contratei. E vou ter sempre por perto os meus advogados e os meus consultores. Sempre que o Estado me bater à porta, vou mostrar cláusulas blindadas e folhas de Excel com projeções futuras. Projeções de tráfego, de receitas, de rendas. Vou mostrar a minha progressão aritmética de receitas. E vou ser indiferente à progressão geométrica de despesas do Estado que me contratou.

Da Vasco da Gama ao túnel do Marão, dos milhões de Bruxelas a Mário Lino, do project-finance às PPP, fui eu que ajudei o Estado. Sim, fui eu que ajudei um Estado que queria fazer muita coisa e tinha dinheiro para pouco. Eu ajudei. E eu fiz. Pontes, hospitais, túneis. Tive sucesso e conquistei novos mercados. Quem constrói estradas levanta torres eólicas. E quem vive do vento faz-se ao mar e emerge submarinos. Assegurei o presente de muita gente e garanti o meu futuro.

Ajudei políticos a brilhar, a agradar ao povo, a melhorar a vida dos eleitores prestes a irem a votos. Adiantei crédito fácil quando foi preciso. Contratei economistas para explicar a políticos o que era o leverage, que só os tontos é que não tinham dívida, que dez milhões ‘levantam’ cem no mercado, que a multiplicação dos pães e dos peixes era uma inspiração, que a zona euro era um seguro de vida. E que a vida era curta.

Soube mudar com os tempos. Nasci no liberalismo, mas fui feliz na Terceira Via. Temi pelo futuro com a crise do Lehman, mas o regresso a Keynes garantiu o futuro dos meus filhos e netos. Percebi depressa que os meus melhores amigos não eram os colegas da Católica e da Nova que tinham ido para a Goldman e passado pelo INSEAD e pelo IESE. Afinal, os de esquerda eram mais destemidos, acreditavam mesmo que aquela ponte e aquele hospital iam sair em conta. Tinham lido tarde o Giddens e vagamente o Popper. E deslumbravam-se com muita facilidade. Melhor que os do PS, só mesmo os ex-pc, que tinham passado férias na Roménia. Olhavam para os meus powerpoints como para uma montra da Tiffany sem alarme.

Sei que o Estado quebra contratos. Com pensionistas, funcionários, fornecedores, a quem não paga. Lamento. Têm por onde cortar. A mim não me tocam. Tenho obra feita. E está tudo por escrito. Aumentem os passes, as tarifas, as portagens, confisquem impostos ou pensões, façam o que quiserem. Já avisei o sindicato bancário suíço a quem vendi o meu contrato. E também liguei aos advogados de Londres. Sabem quanto eles ganham à hora? Deviam saber, são vocês que pagam. Eu mando a conta.

[Ricardo Costa, Expresso, 10 de Março de 2012]

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