segunda-feira, 5 de março de 2012

the meaning of life (III)

O que mais irrita Leonor é ouvir a filha barafustar com o jantar, não gosto de couves ou não gosto de carne, não gosto de ti. A cozinha encolhe e aperta uma contra outra, as paredes juntam-se e partem os pratos, o tecto cai e entorna o sumo de laranja dos copos. Leonor esgueira-se do cubículo que sobrou da divisão e entra no quarto. Sabe que o seu dia acabou. Como esse, habituou-se a arranjar outros pequenos gestos para marcar o compasso do quotidiano: por exemplo, de manhã come torradas para saber onde fica o princípio do dia. Acha as torradas a melhor forma que alguém pode ter para começar o que quer que seja. Quando não toma pequeno almoço dá por si numa cozinha do tamanho de um caixote, a saber que o dia acabou sem sequer dar pelo seu início.


Uma ou outra sexta-feira, o fim do seu dia chega mais tarde. A filha fica a brincar com os primos na casa da avó e a cozinha conserva o seu tamanho próprio. Nessas noites e depois de jantar, Leonor põe Bach no gira-discos e batom nos lábios. Saí com as amigas que sobraram da universidade. Se a noite está fria, repara na respiração que sai da sua boca vermelha, sente que a cada suspiro deita fora um pouco de si. Sente que está a ficar velha mas não velha como o gato que tinham, morreu e lhe custou explicações



- mãe, onde está o bolinhas



velha porque os vestidos lhe assentam tortos e velha de imaginar o ex-marido a comer torradas com outro alguém.



- deixei o bolinhas num sitio frio, não queria comer as couves

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