domingo, 9 de outubro de 2011

the meaning of life (I)

O tempo parecia parado mas havia ponteiros a mexer no relógio encostado à parede branca e suja. Em frente ao pequeno cadeirão onde esperava havia uma mesa com revistas. Antes de pegar nalguma brincou com a imaginação e tentou adivinhar que tipo de revistas seriam próprias de haver numa loja de penhores. Seria reconfortante se houvesse duas ou três publicações carregadas de classificados e ofertas de emprego. O senhor é o José? Pode entrar, ouviu de uma mulher de óculos, baixa e gorda que saira da sala à sua frente. Entrou, sem chegar a abrir a revista que já tinha na mão.

O que traz? Perguntou em jeito de cumprimento um sujeito engravatado. Ia sentar-se para responder à pergunta, mas reparou que não havia cadeira do seu lado da mesa. Timidamente tirou do bolso um anel de ouro do baptizado do seu filho. Depois um colar com uma pedra azul. Tinham-lhe dito que pertencera a uma avó, mas no fundo ninguém sabia. Da mochila tirou o livro da segunda classe com que aprendera a ler. Quanto vale isto? Perguntou orgulhoso pela riqueza dos seus pertences.

Vinte euros e não queremos o livro.

Recebeu a nota e saiu da loja. Saiu leve, o dinheiro pesa menos do que as memórias. Aconchegava-o saber que era um humano em plena autonomia durante mais vinte euros. O senhor José desevolveu esse tacto curioso de medir as horas pelo dinheiro e não pelos relógios. Achava-os estúpidos. Por exemplo, a sua hora de almoço não era à uma ou duas horas da tarde mas sim aos quatro euros. Subiu a rua porque finalmente, era hora de almoço. Pelo caminho lembrou-se da sua segunda classe, dos jogos da bola, do recreio e das professoras. Ainda bem que não ficaram com o livro, magicou com um sorriso escondido.

2 comentários:

  1. ainda bem que não nos conseguem tirar tudo!
    lindo fernando*

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  2. Felizmente ainda existem sentimentos e memorias que permaneceram inevitavelmente para sempre connosco, pois ainda acredito que são essas pequenas coisas que concedem um verdadeiro significado ao que vivemos.
    Actual, bem escrito, enfim gostei muito e fico à espera do “The meaning of life (II)”

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