quarta-feira, 29 de junho de 2011

das políticas de mercado livre e de controlo da inflação

"...a proporção de países que sofreram crises bancárias disparou para cerca de 20% em meados dos anos 90, quando era suposto termos finalmente amansado a besta chamada inflação e alcançado o esquivo objectivo da estabilidade económica. (...) A questão é que a estabilidade dos preços é apenas um dos indicadores da estabilidade económica. Na verdade, para a maior partes das pessoas, nem é sequer o indicador mais importante. Os eventos mais desestabilizadores na maioria das nossas vidas são coisas como perder um emprego (ou tê-lo radicalmente alterado) ou a própria casa durante uma crise financeira, e não o crescimento dos preços, a menos que o fenómeno seja de natureza hiperinflacionária. (Sejamos sinceros: será que conseguimos realmente distinguir entre uma inflação de quatro por cento e uma inflação de dois por cento?) É por isto que o controlo da inflação não levou, à maior parte das pessoas, exactamente a sensação de estabilidade que os guerreiros anti-inflacionários prometeram. Ora, a coexistência de estabilidade nos preços e o aumento na instabilidade económica noutras dimensões, como sejam crises bancarias mais frequentes e mais insegurança no emprego não são coincidência - tudo isto decorre do mesmo pacote de politicas de mercado livre. (...) O conjunto de políticas de mercado livre, conhecido como o pacote neoliberal, centram-se numa menor inflação, em mais mobilidade do capital e mais insegurança no emprego, basicamente porque está, sobretudo, orientado para os titulares de activos financeiros. O controlo da inflação é importante porque muitos activos financeiros têm taxas de rentabilidade nominalmente fixas, pelo que a inflação reduz o retorno real. A maior mobilidade do capital é promovida porque os titulares de activos financeiros conseguem rentabilidades mais elevadas do que os titulares de outros activos sobretudo devido à sua capacidade de deslocar os seus activos mais rapidamente. Mesmo tendo crescido a instabilidade financeira e a insegurança no emprego, as políticas que pretendem aumentar a estabilidade dos preços poderiam justificar-se, em parte, se tivesse aumentado o investimento e, consequentemente, o crescimento, como os defensores indefectíveis da inflação previam. Porém, a economia mundial tem crescido muito mais lentamente durante o período posterior à década de 1980 (caracterizado por inflação reduzida), em comparação com o elevado período de inflação dos anos 60 e 70, em boa parte porque o investimento se tem reduzido na maioria dos países. (...) As medidas de liberalização dos mercados de trabalho e de capitais que integram o pacote de políticas de mercado livre, de entre as quais o controlo de inflação é o elemento fundamental, têm aumentado a instabilidade financeira e a insegurança no emprego, tornando o mundo mais instável para quase toda a gente. Para piorar as coisas, não se concretizou o alegado impacto positivo do controlo da inflação no crescimento. Devemos pôr fim à nossa obsessão com a inflação. O fenómeno tornou-se um papão usado para justificar políticas que têm beneficiado sobretudo os titulares de activos financeiros, as custas de estabilidade no longo prazo, do crescimento económico e da felicidade humana."



Ha-Joon Chang, num livro originalmente chamado 23 things they don't tell you about capitalism e habilmente traduzido para 23 coisas que nunca lhe contaram sobre a economia


excertos das páginas 86, 87 e 88 da 1º edição portuguesa. leiam. é bom.

2 comentários:

  1. Fernando, respondo-te com este link, mutatis mutandis: http://adoutaignorancia.blogs.sapo.pt/209844.html. É tudo uma questão de perspectiva e uma coisa que digo há muito tempo: generalizações destas não costumam resultar. Não vale a pena meter-se tudo no mesmo saco, porque há sempre características únicas que têm mais ou menos influência.

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  2. ok, eu concordo que generalizar é perigoso. mas também não consigo o inverso, de partir do particular para o geral, e apontar um conjunto convincente de exemplos em que a aplicação de pacotes neoliberais tenha efeitos coincidentes com a retórica pela qual foram aplicados.

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