quarta-feira, 22 de junho de 2011

and now for something completely different (VII)


I


Num certo país há muito que a necessidade de repetir 'roubar é feio' se esgotou. Não que furtar se tornasse um acto bonito, simplesmente deixou de ser preciso dizê-lo. Nesse país, quem roubasse era sumariamente condenado a ver uma mão amputada. Da virtude e da moralidade, os homens e as mulheres conhecem pouco. Sabem melhor do medo. Por isso, roubar foi retirado do caixote moral onde se colocam os actos feios e foi delicadamente colocado na caixa do medo. As pessoas já chegaram a duvidar da legitimidade de roubar. Mas nunca duvidaram do medo de perder uma mão.


II


Nesse certo país vivia o Abílio. O Abílio não era parvo, pelo contrário: sentia-se à léguas da lei e a milhas da compreensão da vulgar população. O Abílio roubou, um dia, a prótese de uma mão.


III


Nesse certo país, o Rui apaixonou-se pela Débora. Disse-lhe numa tarde bronzeada pelo pôr-do-sol um 'amo-te' mais acanhado que sincero. A rapariga fugiu. Enfurecido foi à esquadra mais próxima e bradou 'há uma Débora que me roubou o coração'. Em menos de nada, a bela rapariga estava na praça central da capital, pronta a sofrer o castigo.

A aura de um certo conservadorismo latente naquele país, obrigava alguns rapazes a pedir a mão das raparigas aos seus pais. Já o Rui, pediu timidamente a mão da Débora ao carrasco, no final da execução.



IV


Nesse certo país vivia a Beatriz. A Beatriz adora desafios e gosta de viver no limite da façanha: roubou, certo dia, uma guitarra.


V


Nesse certo país, aconteceu em tal dia estar um calor desmedido. Alheias ao incómodo da temperatura, várias pessoas suadas amontoavam-se na praça central. Estava agendada a amputação da mão de uma miúda com nome Débora. Assistiam à execução da sentença curiosos que fumavam calmamente e mulheres que entre espreitadelas para o cadafalso liam as letras gordas do jornal diário.

'despacha-te filho, está quase a começar', ouvia-se da boca de alguns aflitos.

No final, a mão da miúda caiu no cesto ensanguentado, envolto num grito ensurdecedor.

A Teresa agitava um leque no ar. Apontou um dedo para a miúda que ainda gritava e entre um sorriso altivo sussurrou 'mau dia para pintar as unhas'.

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