sábado, 4 de julho de 2009

diálogo (I)



-Doem-me as costas.
-Cala-te, não és tu quem se queixa, é a vontade que tens em deitar os sacrifícios para o lado contrário ao esforço, no sítio onde podes afogar o empenho em ócio.
-Não me tente confundir com as suas poesias labirínticas, só me doem as costas.
-Sim, doem, da maneira que o camaleão é castanho ao pé do tronco castanho. Não te finjas presa em fuga do lavor.
-Estou a dizer que me doem as costas. E encara esse mal estar com o preconceito de quem acha ser falta de virtude ter características humanas. Desculpe não ser uma máquina.
-Eu sei que não o és. E sei-o melhor, cada vez que te pago um subsídio de alimentação e amargo por não te poder simplesmente trocar o óleo. Ou oiço um cansaço teu.
-Se não tivesse medo de si insultava-o. Rebaixava-o ao seu estado real. É uma peça de um sistema que serve um dado propósito. Eu, sou também uma peça. E no entanto, tenho medo de si.
-Ingénuo, Ingrato. Imbecil! Sou a razão do teu emprego. A minha criatividade, investimento, e conhecimento pagam o teu salário.
-E é a minha mão-de-obra que paga o seu. Não lhe quero roubar as medalhas de criador do sistema. Porque tenta roubar-me importância, escondendo a dignidade de reconhecer em mim o meu papel.
-Insolente. Posso despedir-te, não és insubstituível...
-Sim, eu sei, viva a (sua) liberdade. Entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e a lei que liberta, disse em tempos o padre Lacordaire. E temo não ser eu o forte.
-Tens razão nos teus receios. Não és o forte.
-Não entendo, porque tem de haver uma peça forte e outra fraca? Somos ambos peças... Nunca te doeram as costas?

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