quarta-feira, 1 de abril de 2009

Nicolau e Frederico

Nicolau e Frederico eram verdadeiramente vizinhos. Hoje saíram, o sol já marcava o fim da tarde, numa engraçada coincidência pontual: cumprimentaram-se cordialmente, e não mais se cruzaram até regressarem a casa, pontualmente, como já vão ver. Primeiro o Nicolau. Até o nome, de tão safado e ordinário, torna obsoleto o cavanhaque de conquistador italiano. Rumou a um hotel vagabundo, meia estrela, na berma daquela estrada esquecida, onde devorou durante duas horas uma de suas muitas amantes, usada e cuspida pelo mundo, pobre mulher, que sugava as últimas gotas de esperança numa vida melhor, aquela vida que seus ordinários prometiam, sempre, só, amanhã. Ao apertar o zíper das calças pecadoras a aliança de ouro escorrega por entre os dedos, no mínimo, transpirados e insensíveis. Aqueles fatídicos momentos despercebidos pelo homem, bem, por qualquer Homem. Frederico ao contrário nem precisava de assim se chamar, pois era tão bondoso quanto seu nome. Saiu para comprar leite para o filho, aproveitaria para comprar um ramo de flores. Clássico. Deparou-se com uma velhinha a tropeçar no passeio, tão carinhosa de aparência que poderia estar num museu de gente idosa. Ou morta. Frederico, sujeito de carácter, ajuda amistosamente a senhora, que numa tentativa inútil de ser discreta lhe usurpa a aliança do dedo. Filha da mãe, pensou, e agarra no ombro da mulher violentamente – foda-se a afabilidade! Pobre Frederico, que levou tantas bengaladas na cabeça e pontapés nos zípers. Como já disse, cruzaram-se novamente na garagem, e cumprimentaram-se cordialmente. Suas mulheres notaram que falta algo no dedo anelar esquerdo. Eis um dedo, amigos, que depois de preenchido, nunca poderá falhar.

- Nicolau – Devo ter perdido no balneário do ginásio, não é a primeira vez que acontece por lá querida.

-Frederico – Devo ter perdido no balneário do ginásio, não é a primeira vez que acontece por lá querida.

Acham que alguém acreditava, hoje, que ele tinha levado uma sova de uma velhota?

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