terça-feira, 3 de março de 2009

De novo, aulas

Sim, foi ontem. Mas ontem não tive disponibilidade para escrever. Podia simplesmente mentir e dizer que o meu primeiro dia de aulas foi hoje, terça – feira e narrar o que adiante irei descrever mantendo intacto o conteúdo e alterando simplesmente as datas. Podia, e talvez tivesse mais impacto, bem como um acrescido sentido oportuno. Não, não me iria sentir moralmente culpado por cometer tão pequena calúnia, afinal de contas, não é nada de grave (acho mesmo supérflua esta introdução). No entanto, e como estamos no país dos honestos, lá irei admitir a minha preguiça, engolir em seco, pedir desculpa aos leitores, por as culpas no anterior governo e começar:

Hoje foi o meu primeiro dia de aulas.
E, para que afaste o texto de uma (simples mas saudosa) composição da escola primária, de escrita sempre obrigatória lá para o terceiro ou segundo dia de aulas, vou ocultar os pormenores meteorologicos, o pequeno almoço que tomei, a roupa que trazia no corpo, os cheiros que pairavam no ar, as flores, animais e sítios por onde passei. Peço desculpa ao público mais infantil.
As aulas julgo terem sido o menos importante. Na primeira, aquando da apresentação do docente e feitas algumas considerações sobre a cadeira, houve tempo para serem mandados uns palpites acerca do ensino universitário: Disse o professor (por quem ainda não nutro adoração, agrado, desprezo ou repulsa por, de facto, ainda mal o conhecer) que o ensino superior estava mal. Logo se ouviram algumas palmas na bancada. Continuou, e vaticinou que a solução para o problema será (similarmente ao que conhecia de outras universidades estrangeiras por onde já passou) aumentar as propinas. Tal aumento daria aso a uma selecção intelectual que se justificaria pela premissa, comprovada, que as posses materiais são directamente proporcionais ao bom comportamento e empenho académico. Especificou ainda um valor, 20 mil euros, mais coisa, menos coisa. A plateia rendeu-se-lhe com uma ovação em pé. Julgo, de facto, que na base de todos os problemas universitários estão os pobres. Além de insubordinados, faltam as aulas, causam distúrbios, não consomem nas cantinas “privadas”, são conversadores e, de quando em quando, cheiram mal. Oh sim, fechem-lhes a torneira e as instituições de ensino serão bem mais aprazíveis.
De tarde encontrei-me “encurralado” na estação de metro do Colégio Militar. A linha azul foi encerrada e, mais uma vez, por motivos alheios ao metro. Não entendo o significado da palavra “alheios” na frase repetida pela voz microfónica e escrita nos painéis luminosos. Como pode algo ser motivo de interrupção da circulação do metro e ao mesmo tempo ser alheio a este serviço público? Talvez não me esteja a fazer compreender. Os acidentes acontecem, certamente. Assim como devem existir infra-estruturas que os previnam. Se vem uma enxurrada, motivo de causa natural, e alaga completamente o túnel do metro, a culpa será de Deus, será do equipamento danificado, das técnicas utilizadas não serem as suficientes para prevenir tal situação ou será apenas, algo alheio ao Metro? Porque não dizer: sim, houve uma razão para encerrar o metro, razão essa que pedimos desculpa mas não pudemos evitar. Inquieta-me de certa forma essa mentalidade de “larga-me, não tenho culpa, foram os outros” que a palavra “alheios” me grita aos ouvidos.
Mais tarde ainda, quando regressava com alguma pressa ao meu quarto foi-me pedido para abrandar o passo porque, nos corredores não se deve correr. Quem raio havia de inventar a palavra corredor para um sítio onde não se pode correr? Acho que teria algumas semelhanças com o proibir a colocação de garrafas numa garrafeira, impedir a venda de gelados numa gelataria ou não deixar o carteiro levar as cartas. Algumas semelhanças ainda teria brincar com o facto de o partido da Rosa ter feito o seu congresso numa terra chama Espinho. Ou dizer que as Rosas são bonitas, cheiram bem, mas não dão frutos. Mas não é de flores que vim falar hoje e, enfim, lá se passou o meu primeiro dia de aulas.

5 comentários:

  1. Meu caríssimo Fernando, quanto apreço por mais uma fatia deliciosa de pura mentira.

    Sinto-me confiante ao dizer aos nossos queridos leitores que neste espaço cooperativo simpatizamos e incentivamos a partilha de ideias e troca de opiniões, como sabem, ninguém é dono da mentira. E, nesta Mentira, também há um espaço destinado a assuntos sérios, por vezes escondido nas entrelinhas de mais uma refinada ironia do nosso formidável Fernando. Ou, então, claramente definido, destacado, que nem um lugar de estacionamento para deficientes.

    Esta temática do Ensino Superior comentada faz-me um bocado de confusão. Nas tuas veias socialistas que emanam esta demanda por justiça, igualdade social, igualdade de oportunidades, é claro e mais que óbvio que as intenções são nobres, e seria realmente maravilhoso se toda e qualquer pessoa, independentemente de qualquer circunstância prévia de cariz económico, social, racial, etc, etc, etc, pudesse encontrar as mesmas oportunidades na vida de quem nasce verde e com um cifrão na testa. Não creio, porém, que em algo tão fundamental como a formação académica a solução para acabar com estes desencontros seja o caminho contrário ao que o teu senhor doutor meritíssimo professor apontou. Não me interpretem mal: parece-me absurdo o proposto. Parece-me apetecível, porém, comentar a implícito demonstrado pelo significado sarcástico daquela ovação de pé! A minha (muito pouco) fundamentada análise de cenário faz-me crer que a solução seria, no mínimo, difícil e inaceitável. Imagino que o ponto de conciliação de interesses e justiça seria algures no meio: as propinas têm que existir, a meu ver. Convenhamos que, embora custe a muitas pessoas suporta-las, 1000 euros por ano de formação superior que recebemos é, no mínimo, e para não ser apedrejado, um valor que vale a essência da troca que estamos a realizar: Qualquer pessoa ou algo inteligente ou algo esforçada, ou preferencialmente as duas, consegue futuramente auferir esse valor num mês de trabalho. Pronto, se querem um margem percentual de previsibilidade impulsiva, no máximo em dois meses, se a coisa piorar muito. E hoje em dia trabalham-se muitos. Quanto à teoria pós Darwiniana de selecção académica artificial, um assunto de natureza mais delicada, também a interpretação se complica. Principalmente na absurda medida em que, embora não tenha relativamente nada a haver com qualquer tipo de segmentação social, uma significativa percentagem de alunos do Ensino Superior não aproveita nem valoriza a oportunidade que tem. E, novamente para não ser apedrejado com pedras bicudas e vermelhas, fico-me por aqui neste assunto. Simplesmente discordo, mas sou eu que sou assim. Não aproveitar uma oportunidade é a meu ver pior do que esta não ser disponibilizada: perde o João, o genérico de rapaz que teve azar, que estava disposto a esforçar-se e procurar melhorar a sua formação, seja ela qual for, perde o estado, que com os 1000 euros das propinas que o Pedro (genérico 2)esqueceu-se de pagar mas (já lá vai segunda-feira porque o cartão bloqueou na ATM do metro do martim-moniz) que mesmo que tivesse pago não supriam as despesas por ele incorridas neste ano lectivo, também perco eu, porque o Pedro faz imenso barulho no Auditório 4, e perdem os caros leitores, pois não duvido que preferiam um poema ao invés deste texto massacrante.
    Como se percebe, que hajam propinas, que custem o que custarem dentro do bom senso e das capacidades da população em geral, o meu focus seria outro: bolsa substancial para quem merece e não pode suportar. Infelizmente hoje em dia a ajuda é lenta e miserável, e os critérios duvidosos. Mas não vos quero falar de Política, assunto tão triste quanto a sua materialização. Queria, sim, que comentassem.

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  2. Caro colega, amigo e tanto mais. Se catalogas a tua análise de pouco fundamentada, mais rica não será a minha, em justificações cientificamente comprovadas. Sim, tenho um certo afecto pelo vermelho, e um tanto orgulho em que não raras vezes seja uma cor passível de ser anexado ao bom-senso. Mas enfim, os grandes não querem e os pequenos não acreditam. Enquanto e não, cá tentarei chegar aos tornozelos do teu comentário.

    É dito que para certas pessoas é penoso suportar os módicos 1000 euros anuais. Julgo que este custo é digno de uma classe privilegiada e tendo a aproximar a minha reflexão àqueles a quem a tal quantia é completamente impossível de sustentar. O limiar dos que são pobres de mais para pagar e ricos de mais para ter bolsa não é uma linha tão ténue assim.
    Ponto número um. Custa-me que se seleccione peremptoriamente os dignos de frequentar o Ensino Superior pela sua capacidade económica e não pelo seu esforço/mérito. Invocas Darwin e sigo-te nessa invocação. Divergimos no entanto no ponto tão enamorado por Lamarck que reside na herança de caracteres hereditários. Porque o animal que ganha músculo não transmite força à cria. E Darwin sabia isso, e Darwin era a favor disso (disso dos músculos, nota). E todos insistimos em que o filho do Rei Leão seja o Príncipe Simba. Para mim, devia ser um leão, apenas, um leãozinho.
    Selva à parte, se de selva não é caiado todo este nosso assunto.
    Julgo que os estudos universitários venham a ser pagos pela imensa carga fiscal a que o futuro trabalhador irá ser sujeito. E o seu ordenado é proporcional ao grau de qualificação, e as suas contribuições financeiras proporcionais ao seu ordenado, não seria mais lucrativo para os cofres fiscais atenuar o valor das propinas e recolher os frutos de um possível rico depois? Não sei mesmo, daí deixar a pergunta e não a ilustrar de retórica. Adiante.
    Talvez seja do clima Ibérico, ou da elevada qualidade de ensino. Ou os outros são apenas burros. Pequeno aparte motivado por se verificar que não existem propinas no Ensino Superior na
    Dinamarca, Grécia, Luxemburgo, França... Atrasados eles eheh
    (Juro, estou a acabar)
    Este homem (garoto, convenhamos) não diz coisa com coisa, poderão dizer os que neste momento já estão fartos de me ouvir (ou ler). Pois bem, aqui vai um pouco de constitucionalidade (ou reparo na falta dela):
    d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do
    ensino, da investigação científica e da criação artística;
    e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;

    Artigo 74 Felipe, da constituição portuguesa =P

    Aparte disso, não sei se serei o único. Mas tendo a apreender que os mais confortáveis economicamente são os mais baldas. Talvez por não serem os que mais necessitam. Ou talvez por sentirem falta de uma certa aptidão para entender que tudo se deve conseguir com esforço.

    Sem mais me despeço. Agradeço aos pocos que até aqui chegaram. Ainda há, no entanto, tempo para o encore. E ele vai de encontro ás também últimas palavras do Felipe: à falta de algo na acção social. Falta de coêrencia na regulamentação, falta de critérios mais amplos e (digamos) justos. Enfim, no seu amâgo e generalizado: falta algo

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  3. Generalizando, na última frase. E deixo a batata quente nas tuas mãos. Tenta não fazer dela uma tangerina ;)

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  4. Faltou também um ponto final.
    Mas eu sei, meu bom Fernando, que não queres por um ponto na tua intervenção, e gosto disso. Discordamos de meios, métodos, justiças, constituições, cores. Não interessa. Este ponto sim é importante: discordamos. Adoro o debate, a discussão cerrada, a ira vermelha de uma argumentação que agarra na violência da troca de palavras sentidas e o transforma em algo importante. Com significado. Sim, com significado. Só os ignorantes desprezam a vontade de marcar algo com o que acreditam, de se fazer ouvir. É óptimo pensar de maneiras divergentes. Perigoso é não pensar.

    Não intervenho mais, meu caro colega. Meu Caríssimo colega. Que nem as propinas...

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